Profissão de Fé do Blog.

Profissão de Fé do Blog "Creio em um só Deus, Pai onipotente, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai, antes de todos os séculos. Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Gerado, mas não feito, consubstancial ao Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas. Ele, por causa de nós, homens, e nossa salvação, desceu dos céus. E se incarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria. E se fez homem. Foi também crucificado por nós; sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. E ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Subiu ao céu, está sentado à direita do Pai, de onde há de vir segunda vez, com glória, a julgar os vivos e os mortos; e seu reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, que é Senhor e Fonte da Vida e que procede do Pai e do Filho. Com o Pai e o Filho é juntamente adorado e glorificado, e é o que falou pelos Profetas. Também a Igreja, una, santa, católica e apostólica. Confesso um Batismo para remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos, e a vida do século futuro." Amém.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Quando resistir ao Papa.

Quando resistir ao Papa é um dever.

O caso singular do bispo Robert Grossateste.
Por Cristiana de Magistris | Tradução: Fratres in Unum.com * – O nome do bispo inglês Robert Grossateste (1175-1253) é quase totalmente desconhecido do mundo italiano. Para os poucos que têm alguma erudição, ele é notável por sua genialidade no campo científico, onde suas obras são consideradas de valor inestimável, a ponto de lhe terem merecido o título de “pioneiro” de um movimento científico e literário, bem como de “primeiro” matemático e físico de seu tempo.
Mas Robert Grossetesta foi acima de tudo um Bispo santo, que se distinguiu por seu zelo em promover a salus animarum e por seu amor ao papado.
Mente absolutamente prodigiosa e versada não apenas em estudos científicos, mas também no literário, teológico e bíblico, Robert Grossateste tornou-se bispo de Lincoln em 1235. “Desde que fui nomeado bispo – escreveu – considero-me o pastor e guarda das almas que me comprometo a cuidar com toda a minha força, porque do rebanho que me foi confiado vou prestar estrita conta no Dia do Juízo” [1]. Seu principal objetivo era de “reformar a sociedade através da reforma do clero” [2]. A disciplina austera que exigia de seus sacerdotes era conhecida em toda a Inglaterra: renúncia à recompensa pecuniária, obrigação de residência, reverência na celebração da Santa Missa, fidelidade na recitação do Ofício Divino, educação do povo, total disponibilidade para os doentes e as crianças. Com essas regras, o bispo Inglês, além de elevar o nível das pregações e do ensino do clero, queria melhorar sua conduta moral.
Mas uma das características mais originais de Grossateste foi a sua veneração pelo primado petrino, descrita nestes termos por um de seus biógrafos: “O mais interessante aspecto da teoria de Grossateste na formação e função da hierarquia eclesiástica é a exaltação do Papado. Ele foi provavelmente o papista mais fervoroso e resoluto entre os escritores ingleses medievais.” [3]
Tal veneração pela plenitudo potestatis do Romano Pontífice assume um significado todo especial e um alcance mais interessante em relação à sua próxima resistência a Inocêncio IV.
No ano de 1239, em discurso dirigido ao Decano e ao Capítulo de Lincoln sobre a hierarquia eclesiástica, Grossateste disse: “[...] seguindo o prefigurado no Antigo Testamento, o Senhor Papa tem o primado do poder sobre as nações e sobre os reinos, tem o poder de demolir e erradicar, destruir e dispersar, plantar e construir [...] Samuel era entre o povo de Israel como um sol, assim como na Igreja universal é o Papa e todos os bispos em suas dioceses”. [4]
Em 1237, escreveu ele a um legado pontifício: “Deus não permita que a Santa Sé e os que a presidem, aos quais normalmente cumpre prestar obediência em tudo quanto ordenam, se tornem, pelo contrário, a causa da perda da fé para as pessoas que comandam, o que é contrário aos preceitos de Cristo e à Sua vontade. Deus não permita que para qualquer pessoa verdadeiramente unida a Cristo, não querendo de forma alguma ir contra a Sua Vontade, esta Sé e aqueles que a presidem possam ser causa da perda da fé ou de aparente cisma, ordenando fazer aquilo que se opõe à vontade de Cristo.”
O bispo Grossateste via com horror a simples idéia de desobedecer à autoridade eclesiástica legalmente constituída, pois considerava a obediência como a única resposta adequada a tal autoridade que vem de Deus. Mas a autoridade existe dentro de limites claramente definidos. Não há nenhuma autoridade além desses limites – ultra vires – e recusar-se a obedecer à autoridade quando ela ultrapassa esses limites não é um ato de desobediência, mas a afirmação de que a autoridade está abusando de seu poder. Muitos teólogos, como Suárez, acreditam que é lícito resistir até ao Papa, “se este faz algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum” [5].
Ninguém na Idade Média era tão convencido como Grossateste de que o Papa possuía a plenitudo potestatis. Mas, com os medievais de seu tempo, ele sustentava que tal poder não é um poder arbitrário, e sim um ofício a ele conferido “para o serviço de todo o Corpo (de Cristo)”, que é a Igreja. Tal poder é dado ao Papa para a salvação das almas, para edificar o Corpo de Cristo, e não para destruí-lo. O Papa – nós não devemos nos esquecer – é o Vigário de Cristo, não o próprio Cristo, e deve exercer seu poder de acordo com a vontade de Cristo, e não em manifesto conflito com esta. Deus não permita – dizia Grossateste – que a Santa Sé se torne a “causa” de um aparente cisma, ordenando aos fieis qualquer coisa que se opõe à Vontade de Cristo Senhor.
A ocasião que provocou a resistência de Grossateste dizia respeito ao problema dos benefícios eclesiásticos, cuja primeira função era o cuidado das almas. A complexa relação Igreja-Estado daquele tempo transtornou essa função, sendo os benefícios muitas vezes largamente concedidos a clérigos que não teriam podido (ou querido) de nenhum modo cuidar da grei a eles confiada. Aconteceu de o próprio Papa nomear para [receber] um benefício, uma prebenda ou um cabido, eclesiásticos que com frequência não residiam no lugar para o qual haviam sido designados, ou em alguns casos eram incapazes por um motivo ou por outro de se ocuparem disso. Por sua alta estima ao Papado, Grossateste se opôs a esta prática, que tinha forte odor de simonia e às vezes de nepotismo. Ele aceitou plenamente as nomeações do Papa quando os beneficiários estavam em condição de cumprir as funções para as quais recebiam os benefícios. Tanto o poder papal quanto os benefícios tinham de fato para Grossetesta um único objetivo: a salvação das almas.
O Bispo inglês resistiu a este estado de decadência com todos os meios possíveis, especialmente através de um uso inteligente e sábio do direito canônico. Em 1250, já octogenário, ele foi até Lyon – onde então residia Inocêncio IV – e confrontou-se com o Papa em pessoa. “Ele simplesmente levantou-se [...]. O Papa Inocêncio sentou-se com os seus cardeais e familiares para ouvir o ataque mais veemente e completo que um papa jamais ouviu em pleno uso de seu poder” (6).
O objeto da acusação era a falta de cuidado pastoral, que colocava a Igreja em um estado de profundo sofrimento. “O ofício dos pastores encontra-se em condições miseráveis. E a causa do mal deve ser encontrada na Cúria papal [...] que provê maus pastores para seu rebanho. O que é um ofício pastoral? Suas funções são variadas, mas, em particular, envolve o dever de visitas (aos fiéis) … ” [7]. Agora, como poderia um pastor não residente prover a seu rebanho? A esta questão nem sequer o Papa podia responder. Grossateste, além disso, ensinava mais pelo exemplo do que com palavras. Anos antes, em 1232, ele havia desistido de todos seus benefícios e gratificações, exceto uma prebenda que detinha em Lincoln, algo que o tinha coberto de ridículo aos olhos dos contemporâneos. Mas ele respondeu com estas palavras sublimes que revelam a nobreza de sua alma: “Se forem mais desprezados aos olhos do mundo, então serão mais agradáveis ​​aos cidadãos do céu” [8] .
A heroica visita do Bispo inglês a Inocêncio IV – heroica tanto pela ousadia do evento quanto pela idade avançada de Grossateste – não teve nenhum efeito. O Papa dependia do sistema de comissão para manter a Cúria e para financiar as guerras intermináveis ​​contra Frederico II.
Em 1253, o Papa deu a seu sobrinho, Frederico de Lavagna, um canonicato na catedral de Lincoln. Grossateste recebeu a ordem de colocar em execução a vontade do Pontífice Romano e encontrou-se num terrível dilema. A ordem do Papa era absolutamente legal, já que ele tinha todo o direito de atribuir um canonicato e, como tal, era necessário obedecer. Mas, apesar de ser legal, a ordem era um claro “abuso de poder”, porquanto o sobrinho do papa nunca pusera os pés na terra dos anglos e, portanto, nunca exerceu seu ministério em Lincoln, para o qual, no entanto, teria recebido o benefício.
Neste caso, o Papa usou de seu cargo de Vigário de Cristo em sentido oposto àquele para o qual ele estava revestido. A resposta de Grossateste foi recusar obedecer a uma ordem que era um claro abuso de poder. O Papa naquele momento estava agindo ultra vires, ou seja, além dos limites de sua autoridade. A resistência de Grossetesta não foi pelo fato de ele desconhecer a autoridade do Papa, mas pela imensa estima e respeito que tinha por esta.
O bispo Grossateste se recusou a dar ao sobrinho do Papa o canonicato da Catedral de Lincoln e escreveu uma carta de reclamação e recusa, não para o Papa em pessoa, mas a um comissário, Mestre Inocêncio, através do qual ele recebera a ordem.
Eis o que ele afirma: “Nenhum fiel sujeito à Santa Sé, nenhum homem que não está excluído pelo cisma do Corpo de Cristo e da Sé Apostólica, pode obedecer a determinações, regras ou outras ordens desse tipo, mesmo que elas viessem do mais alto coro de Anjos. Ele deve rejeitá-las e rejeitá-las com toda a sua força. Pela obediência que me liga e pelo amor que tenho à Santa Sé no Corpo de Cristo, como filho obediente eu desobedeço, contradigo e rebelo-me. Não se pode fazer nada contra mim, porque cada palavra minha e cada ação minha não é uma rebelião, mas um ato de honra filial devido ao pai e à mãe por meio do mandamento de Deus. Como eu disse, a Sé Apostólica em sua santidade não pode destruir, mas somente construir. Esta é a plenitudo potestatis: deve fazer tudo para a edificação. Agora, essas chamadas “comissões” não constroem, mas destroem. Elas não podem ser obra da Sé Apostólica, porquanto são ditadas “pela carne e pelo sangue”, que não possuem o reino de Deus, e nem do Pai que está nos céus ” [9].
Comentando essas palavras, W. A. Pantin, em seu estudo sobre a relação entre o bispo Grossateste e o Papado, escreve: “Parece haver duas linhas de pensamento aqui. A primeira, de acordo com a qual aplenitudo potestatis existe para edificação e não para destruição, todo ato tendente à destruição ou à ruína das almas não pode ser considerado um verdadeiro exercício da plenitudo potestatis… A segunda, conforme a qual, se o Papa ou qualquer outra pessoa ordenasse algo contrário à lei de Deus, então seria errado obedecer, e, finalmente, ao se afirmar a própria fidelidade, deve-se recusar a obedecer. O problema básico é que, enquanto a doutrina da Igreja é sobrenaturalmente garantida contra o erro, os ministros da Igreja, do Papa para baixo, não são impecáveis ​​e podem formular julgamentos e emitir ordens erradas”[10].
“Não se pode fazer nada contra mim”, protestou Grossateste, e os acontecimentos deram razão a ele. Quando Inocêncio IV leu a carta, irritado além da medida, queria pedir sua prisão, mas os cardeais o dissuadiram. “Sua Santidade – disseram – não tem nada que fazer. Não podemos condená-lo. Ele é um homem católico e santo, o melhor homem que temos, sem igual entre os outros prelados. O clero francês e inglês sabe disso e nossa intervenção não teria nenhuma vantagem. A verdade contida nesta carta, que é provavelmente conhecida de muitos, poderia empurrar os outros a agir contra nós. Grossetesta é estimado como um grande filósofo, conhecedor da literatura latina e grega, zeloso pela justiça, teólogo, pregador e inimigo de abuso.” [11]
Inocêncio IV percebeu que a melhor coisa a fazer era abster-se de qualquer intervenção. E assim foi. Nesse mesmo ano de 1253, o Grossateste morreu. Em seu túmulo aconteceram muitos milagres e logo se tornou um local de culto e devoção, nem faltaram tentativas para dar início à sua causa de canonização. [12] A Inglaterra possui apenas um outro santo bispo, John Fisher, cujo amor e lealdade para com a Santa Sé não excedia o de Grossateste. Certamente, se este tivesse vivido nos dias de John Fisher, não teria hesitado em dar, como ele, a vida pela Sé Apostólica. Mas também é certo que, se John Fisher tivesse vivido no século XIII, sob o pontificado de Inocêncio IV, teria resistido aos abusos do poder papal.
O caso do bispo Grossateste reveste-se de particular importância, pois sua resistência não é motivada por heresia, em cujo caso é opinião comum que não é necessário obedecer. Ele não defendeu a ortodoxia católica, mas se recusou a colocar em prática uma diretiva do Papa que ele considerava prejudicial para asalus animarum.
O “caso Grossateste” fez história. Sylvester Prierias, insigne dominicano e estrênuo defensor da autoridade papal, em seu Dialogus de Potestate Papae (1517), citando as palavras e o exemplo de Grossateste, afirmou que o Sumo Pontífice pode abusar de seu poder: “Se o Papa quisesse desperdiçar os bens da Igreja ou distribuí-los aos seus familiares, se quisesse destruir a Igreja ou praticar qualquer ato dessa magnitude, então seria um dever impedi-lo e uma obrigação opor-se a ele e resistir-lhe. A razão é que ele não possui o poder de destruir. Disto se segue que, se ele agisse assim, seria legítimo resistir-lhe.”
Durante o Concílio Vaticano I, o caso Grossateste foi mencionado várias vezes, não para condenar a resistência do bispo Inglês, mas para mostrar que a plenitudo potestatis do Romano Pontífice – não obstante a infalibilidade papal que aquele Concílio estava para definir – tem limites bem definidos, não sendo nem absoluta nem arbitrária.
Ecoando as palavras de Grossateste – “a Sé Apostólica em sua santidade não pode destruir, mas apenas construir” – o bispo D’Avanzo disse no Concílio: “Pedro tem tanto poder quanto quis dar-lhe Nosso Senhor, não para a destruição, mas para a edificação do Corpo de Cristo que é a Igreja.” [13]
E assim, depois de seis séculos, a resistência do maior “papista” dos bispos ingleses do século XIII contribuiu para a definição da infalibilidade pontifícia. Esta é a ironia de Deus, pela qual os Anjos e Santos – e também Grossateste! – se alegram no céu.
* Nosso agradecimento a um caro amigo pela tradução fornecida.

[1] D. A. Callus, Robert Grosseteste, Oxford 1955, p .150.

[2] Ivi, p. 85.

[3] Ivi, p. 183.

[4] Ivi, p. 185.

[5] “Se il papa comanda qualcosa che sia contrario alla morale non bisogna obbedirgli. Se prova a fare qualcosa che sia contrario alla giustizia e al bene comune, è lecito resistergli. Se egli attacca con la forza, può essere respinto con la forza, con la moderazione propria di una giusta difesa”: De fide, disp. X, sect. VI, n. 16.

[6] M. Powicke, “Robert Grossateste, Bishop of Lincoln”, Bullettin of the John Rylands Library, Manchester, vol. 35, n. 2, march 1953, p. 504.

[7] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , Oxford 1959, p. 284.

[8] D. A. Callus, cit., XIX.

[9] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , cit., p. 286.

[10] W. A. Pantin, “Grosseteste’s relations with the papacy and the crown”, in D. A. Callus, cit., pp. 190-191.

[11] M. Powicke, King Henry III and the Lord Edward , cit., p. 287.

[12] Cf E. W. Kemp, “The attempted canonization of Robert Grossateste”, in D. A. Callus, cit., pp. 241-246.

[13] J. D. Mansi, Sacrorum Conciliorum nova et amplissa collectio, Parigi 1857-1927, LII, p. 715

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